segunda-feira, janeiro 31, 2005

Chego na janela e olho para Sp. Bom dia Vietnã. Aos poucos vou perdendo a inocência, descubro que lindo céu cor de rosa é poluição. Sp me lembra uma puta. Não sei bem o que isso quer dizer. Sou mulher e nunca estive com uma. Talvez seja este o problema. Observo tudo de uma distância segura. Segura demais. O único vício é o cigarro. mas até o vício é comportado. Não posso fumar aqui. Não posso ver Sp pela janela com um cigarro na boca. Regras. Olha, um passarinho. Pego o binóculo. É um urubu. A cidade me sorri com sarcasmo. Aqui me sinto viva. O tamanho da cidade, os passos apressados de todos, o olhar - o olhar das pessoas nas ruas, no metrô... Todos parecem amortecidos. Só eu olho para os lados. Vivo em um outro mundo dentro deste universo desconhecido que é SP. Me sinto um pouco Delirium, andando no Hades? Netos, netos, netos. Perdi os olhos, sou um útero. Precisamos de uma criança... Sorriso. Olho para os lados. Um filho. Esperança? Todos querem um novo ser, com a vida em branco. Talvez pensem que ele vai fazer as coisas de modo diferente. Vai viver, vai fazer o que nós não fizemos.. Vai ser feliz e com isso perdoar nossa existência... Vamos ajudá-lo a não cometer os mesmos erros. Esta pressão me assusta um pouco, queria ser diferente. Queria parir e deixar a planta ali, crescendo sem me intrometer muito. Mas sei que serei igual. Medo. Meu horário mais uma vez está bagunçado. Durmo em horários estranhos e no tempo em que fico acordada observo tudo de maneira distante. Tenho vontade de olhar as pessoas nos olhos e dizer - Sinto muito. Sinto muito pela sua vida, pelos seus sonhos perdidos, pelas regras. Sinto , sinto muito mesmo. Mas fico quieta. Não posso fazer nada. Lembro de um conto, talvez do Poe? Uma mulher em um barco, com uma criança morta nos braços. Ela tenta manter a criança aquecida. Finge que ela está viva. Não somos todos assim? Seguramos nossa criança-vida nos braços. Ela talvez esteja viva, mas será por pouco tempo. Evitamos olhar para o embrulho. Embrulho, embrulho no estômago. Não tentamos salvar a criança, talvez por imaginar que não exista uma saída. O que você quer que eu faça? Eu já fiz muito, eu já fiz tudo, e ela continua a morrer. Nestas horas eu tenho vontade de gritar. De sacudir a pessoa, de jogar a criança de uma vez na água gelada do rio. Não, não desista, você está desistindo de si mesmo. Acorde por favor, não feche os olhos, não durma, mantenha os olhos abertos e escute a minha voz. Mas todos parecem anestesiados. Não adinta, não adianta, ela vai morrer, não importa o que eu faça, ela já está morta. Mesmo os que pedem ajuda agem assim. Não percebem, não querem perceber. nada nunca vai mudar, soluçam. E eu fico com raiva. Com vontade de ser violenta e despertá-los. Mas no fim apenas suspiro. Sinto, sinto muito mesmo.

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